"A vida é mais importante que a arquitetura", costumava
dizer Oscar Niemeyer. Ele morreu nesta quarta-feira, aos 104 anos, às 21h55 no
Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, devido a uma infecção respiratória.
O arquiteto brasileiro de maior prestígio internacional faria 105
anos no próximo dia 15 de dezembro. Niemeyer estava internado desde o dia 2 de
novembro deste ano, inicialmente para tratar de um quadro de desidratação. Era
a sua terceira internação em 2012.
Mas o estado de saúde do arquiteto se deteriou desde então. Ele
apresentou uma hemorragia digestiva e depois uma piora na função renal. Na
última terça-feira, seu quadro clínico se agravou com uma infecção
respiratória.
Niemeyer, que não cansava de se dizer um apaixonado pela profissão
que o levou ao estrelato, deixou um legado de obras nos quatro cantos do mundo.
Considerado um "gênio" por muito de seus pares, ganhou o respeito,
inclusive, de seus críticos mais atrozes.
Talvez este apego ao mundo tenha sido o segredo da longevidade do
arquiteto brasileiro e o que lhe permitiu trabalhar até o fim em sua paixão: os
edifícios de concreto com curvas livres de suportes, que se sobressaem por seu
dinamismo e leveza.
Nascido em 15 de dezembro de 1907, no Rio, Niemeyer foi, ao lado
do urbanista Lucio Costa, o criador de Brasília. De sua prancheta saíram os
prédios do Congresso, dos palácios do Planalto, da Alvorada e do Itamaraty e da
catedral.
(...)
Na
intimidade
Em 2007, Niemeyer recebeu a reportagem da BBC em sua casa no Rio,
na cobertura de um edifício de dez andares em frente à praia de Copacabana. Da sacada,
se apreciava uma linda vista do mar e dos morros da cidade.
O interior do apartamento era muito simples. Havia várias
pranchetas, uma escrivaninha ladeada por uma biblioteca e uma sala de estar com
uma cadeira de descanso muito cômoda, projetada por Niemeyer.
Em uma parte do apartamento, paredes em ziguezague nas quais o
arquiteto havia desenhado mulheres nuas demarcavam a separação entre um
ambiente e outro.
"Sempre fui atraído pelas curvas dos morros, dos rios e dos
corpos femininos", confessou.
Essas formas foram sua fonte de inspiração.
Apesar da piora de sua saúde, Niemeyer nunca deixou de trabalhar,
auxiliado em seu apartamento por um grupo de arquitetos.
Nos últimos anos, dedicou-se a diversos projetos no Brasil, um
museu na Espanha e outro na Itália. Também se aventurou pela música: doente em
uma cama de hospital, colocou letra e poesia em um samba dos músicos Edu
Krieger e Caio Almeida. O título, "Tranquilo com a vida", refletia
seu incansável otimismo.
Os pobres e a esquerda
Niemeyer sempre foi um idealista. Na juventude, militou no Partido
Comunista, que chegou a presidir entre 1992 e 1996, e nunca abandonou sua
defesa dos pobres e dos governos de esquerda no Brasil e no resto da América
Latina.
Nas últimas eleições presidenciais, apoiou abertamente a atual
presidente Dilma Rousseff.
"O papel do arquiteto é lutar por um mundo melhor, onde se
possa fazer uma arquitetura que sirva a todos, e não apenas a um grupo de
privilegiados", disse.
Mas, então, por que ele nunca fez obras para os mais necessitados?
"A arquitetura evoluiu a partir do progresso técnico. Mas no
aspecto social é ruim, porque nosso trabalho é para os governos e os ricos. O
pobre não participa em nada", admitiu. "A arquitetura está ligada ao
regime capitalista, e isso vai continuar assim, o que é péssimo."
Brasília:
arrependido?
Niemeyer lamentava que Brasília tenha terminado dividida entre
pobres e ricos, e que as favelas tenham ocupado mais lugar que a cidade
projetada originalmente.
"Construí Brasília com tanto empenho e entusiasmo. Era algo
diferente (...). Há quem diga que, olhando para trás, faria tudo novamente. Eu
creio que não, que cada dia é diferente."
Para ele, as cidades deveriam ter uma densidade demográfica
limitada, e sempre contar com um cinturão verde a seu redor.
Quando lhe perguntavam o que pensava da arquitetura contemporânea,
Niemeyer preferia não opinar.
Em vez disso, lembrava uma frase que havia ficado marcada em sua
memória: "Uma vez um arquiteto amigo me disse algo bem certo: que não há
arquitetura antiga e moderna, apenas arquitetura boa ou má".
Para ele, o que marcava a diferença entre um projeto bom e outro
ruim era a invenção, o ato de provar algo diferente.
"Quando a arquitetura não busca isso, fica reduzida a uma
escala menor. Se quer ter o status de obra de arte, deve ser audaciosa."
Com esse lema, Niemeyer explorou a versatilidade do concreto
armado, o material que lhe permitiu tornar realidade suas fantasias onduladas e
se afastar da rígida linha reta feita pelo homem, que confessava odiar.
"Gosto de trabalhar com as curvas porque aceitam mais
invenção e sensibilidade", disse à BBC.
Era difícil para ele saber se no futuro haverá algo melhor que o
concreto para criar "sonhos" arquitetônicos além das clássicas
estruturas retilíneas. "Até agora não há nada que nos permita fazer o que
esse material admite."
A força desse elemento tão apreciado por Niemeyer contrastava, na
fase final de sua vida, com a fragilidade de sua saúde. Diversos problemas o
obrigaram a frequentes passagens pelo hospital e a várias cirurgias.
Seu punho tinha ultimamente o tremor dos anos, mas não importava,
porque já havia deixado um legado firme: verdadeiros santuários da arquitetura.
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