Fernanda Trocoli
A nova Lei nº 12.690 surge com a clara preocupação de evitar que as cooperativas de trabalho se afastem dos ideais cooperativistas, criando mecanismos para coibir as fraudes em sua atuação.
No último dia 19 de julho, foi publicada a Lei n.º 12.690, que dispõe sobre a organização e o funcionamento das cooperativas de trabalho, cria o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho - PRONACOOP, entre outras medidas.
A regulamentação das atividades das cooperativas de trabalho era desde há muito aguardada pelo segmento e, após oito anos de tramitação no Congresso Nacional, o projeto de lei 4622/2004 foi finalmente aprovado.
Mas o que deve mudar com a nova lei?
Alem das inúmeras mudanças relativas à constituição e ao funcionamento das cooperativas, o principal aspecto a ser observado, no âmbito trabalhista, é que a Lei 12.690 tem o claro objetivo de tentar coibir fraudes nas relações de trabalho.
O parágrafo único do artigo 442 da CLT, cuja revogação era prevista pelo projeto de Lei 4622/2004, dispõe sobre a inexistência de vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados, e entre estes e os tomadores de serviços da cooperativa.
Com seu advento, surgiram inúmeras cooperativas, muitas delas visando unicamente à intermediação fraudulenta de mão de obra, em flagrante violação tanto aos preceitos cooperativistas (já que as cooperativas surgiram, originalmente, com o objetivo de melhorar a condição econômica de seus associados), quanto à legislação trabalhista.
Como meio de coibir essas fraudes, houve um grande esforço do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho em fiscalizar as falsas cooperativas e impedir sua atuação na violação de direitos fundamentais dos trabalhadores direta e indiretamente atingidos, em razão, inclusive, da inequívoca existência de danos coletivos.
Na Justiça do Trabalho, a aplicação do parágrafo único do artigo 442 não resistiu à implacável invocação ao artigo 9º, também da CLT, que considera nulos de pleno direito todos os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas.
Rapidamente, o mecanismo antes utilizado para “legitimar” certas fraudes, se tornou letra morta, razão pela qual o veto presidencial ao artigo que previa sua revogação não traz grandes consequências. Na CLT, persiste o dispositivo que prevê a inexistência de vínculo empregatício entre os cooperados e as cooperativas e entre aqueles e os tomadores de serviços.
Nesse cenário, a nova Lei 12.690 surge com a clara preocupação de evitar que as cooperativas de trabalho se afastem dos ideais cooperativistas, criando mecanismos para coibir as fraudes em sua atuação.
O artigo 2º estabelece que as cooperativas de trabalho são sociedades constituídas por trabalhadores visando melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.
O artigo 3º inclui, entre os princípios e valores que regem essas cooperativas a “não precarização do trabalho” (inciso IX), enquanto o artigo 5º veda a utilização dessas sociedades para intermediação de mão de obra subordinada.
A grande novidade está no artigo 7º da nova lei, que garante aos sócios das cooperativas inúmeros direitos, muitos deles semelhantes (senão iguais) aos conferidos aos empregados sujeitos ao regime celetista, tais como: retirada não inferior ao piso da categoria ou ao salário mínimo, duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, repouso semanal remunerado preferencialmente aos domingos, repouso anual remunerado, retirada para o trabalho noturno superior à do diurno e adicional sobre a retirada para as atividades insalubres ou perigosas.
Embora a redação do dispositivo, à primeira vista, cause estranheza, por conceder aos cooperados direitos semelhantes aos dos empregados, é certo que a nova lei está em perfeita consonância com a legislação de outros países e com as recomendações da OIT e da CICOPA (Organização Internacional de Cooperativas de Produção Industrial, Artesanal e de Serviços).
A justificativa para a inclusão desse dispositivo na nova Lei, de acordo com parecer do Ministério do Trabalho e Emprego, reside no fato de os trabalhadores cooperados possuírem dupla condição, a de donos associados da cooperativa e a de trabalhadores desta, podendo e devendo assim incidir sobre estes obrigações e direitos da legislação trabalhista, algo comum dentro da legislação de outros países.
Segundo esse entendimento, as cooperativas de trabalho estão inseridas nas dinâmicas e conflitos próprios do mundo de trabalho e, por isso, necessitavam de uma regulação própria que as fizesse dialogar com este mundo.
A despeito das inúmeras críticas que deverão surgir em relação ao polêmico dispositivo, inclusive em relação a sua suposta inconstitucionalidade, o fato é que sua inclusão na nova lei decorre de tendência seguida pelas legislações internacionais de inserir o direito do trabalho na gama dos direitos humanos, de caráter universal.
Tal tendência, sem sombra de dúvidas, já vinha delineada na legislação pátria desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que incluiu os direitos trabalhistas no rol dos direitos fundamentais.
A extensão desses direitos essenciais e irrenunciáveis aos trabalhadores cooperados pode ser um importante passo no necessário combate a precarização das relações de trabalho no Brasil.
Fonte:
Nenhum comentário:
Postar um comentário