Por Kiyoshi Harada*
A Lei n°
7.713, de 22-12-1988, instituiu o benefício da isenção do imposto de renda
relativamente aos proventos da aposentadoria ou reforma, conforme art. 6°,
inciso XIV in verbis:
"Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes
rendimentos percebidos por pessoas físicas:
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por
acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional,
tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia
irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson,
espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados
avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação,
síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina
especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria
ou reforma".
A fruição do benefício é condicionada ao despacho da
autoridade administrativa competente mediante exame de cada caso concreto.
Indispensável a submissão do interessado à inspeção médica.
Algumas das moléstias, porém, ainda que corretamente
diagnosticadas pelo médico, enseja dúvida quanto à outorga do benefício da
isenção. É o caso, por exemplo, da cegueira.
O que caracteriza a cegueira? A perda total da visão, ou
basta o comprometimento irreversível da visão em um dos olhos? A lei sob exame
nada esclarece a respeito.
A invocação analógica da legislação sobre acidente do
trabalho, cujo benefício é sempre dimensionado de acordo com a natureza e
gravidade da lesão sofrida, é descabível, quer em função do princípio da
interpretação literal da norma isentiva previsto no art. 111, do CTN, quer
porque esse benefício tributário não comporta isenção parcial ou gradual.
Se o laudo médico consignar a cegueira em um olho ou em ambos
os olhos entendo que à luz do preceito legal específico sob exame caracterizada
fica a hipótese legal da isenção.
Isenção condicional não significa ato discricionário do
agente público competente. Presentes os requisitos legais impõe-se a concessão
do benefício tributário, sob pena de ilegalidade e abuso de poder, corrigível
por via do mandado de segurança.
A interpretação literal do texto legal específico conduz ao
entendimento de que o favor fiscal foi outorgado em função do gênero patológico
"cegueira" abrangendo, tanto o comprometimento da visão binocular,
quanto da visão monocular. De fato, o texto legal não se refere à cegueira em
um dos olhos, como o faz a legislação sobre acidentes do trabalho, sempre que
se tratar de lesão em órgãos duplos.
O certo é que a perda de visão em um dos olhos afeta
profundamente a alma humana trazendo sofrimento e desequilíbrio da normalidade
psíquica do indivíduo, causando-lhe trauma emocional e grande constrangimento
de ordem moral. Daí a incidência da hipótese isencional de que estamos
cuidando, mediante interpretação literal do texto legal que não comporta adjetivação:
cegueira binocular ou cegueira monocular. Nesse sentido decidiu o STJ, conforme
ementa abaixo:
"TRIBUTÁRIO. IRPF. ISENÇÃO. ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713/1988.
INTERPRETAÇÃO LITERAL. CEGUEIRA. DEFINIÇÃO MÉDICA. PATOLOGIA QUE ABRANGE TANTO
O COMPROMETIMENTO DA VISÃO NOS DOIS OLHOS COMO TAMBÉM EM APENAS UM.
1.
Hipótese em que o recorrido foi aposentado por invalidez permanente em razão de
cegueira irreversível no olho esquerdo e pleiteou, na via judicial, o
reconhecimento de isenção do Imposto de Renda em relação aos proventos
recebidos, nos termos do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988.
2. As
normas instituidoras de isenção devem ser interpretadas literalmente (art. 111
do Código Tributário Nacional). Sendo assim, não prevista, expressamente, a
hipótese de exclusão da incidência do Imposto de Renda, incabível que seja
feita por analogia.
3. De
acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID-10), da Organização Mundial de Saúde, que é adotada
pelo SUS e estabelece as definições médicas das patologias, a cegueira não está
restrita à perda da visão nos dois olhos, podendo ser diagnosticada a partir do
comprometimento da visão em apenas um olho. Assim, mesmo que a pessoa possua
visão normal em um dos olhos, poderá ser diagnosticada como portadora de
cegueira.
4. A lei
não distingue, para efeitos da isenção, quais espécies de cegueira estariam
beneficiadas ou se a patologia teria que comprometer toda a visão, não cabendo
ao intérprete fazê-lo.
5. Assim,
numa interpretação literal, deve-se entender que a isenção prevista no art. 6º,
XIV, da Lei 7.713/88 favorece o portador de qualquer tipo de cegueira, desde
que assim caracterizada por definição médica.
6. Recurso Especial não provido." (Resp n° 1196500/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 04-02-2011).
Consigne-se, por oportuno, que para efeito de pagamento de
precatórios judiciais a credores alimentícios com privilégios qualificados
(idosos e portadores de doenças graves) de que cuida o § 2°, do art. 100, da CF
aplica-se o inciso XIV, do art. 6°, da Lei n° 7.713/88 até que seja editada lei
específica em função da Emenda Constitucional n° 62/2009. As mesmas
considerações aqui feitas são válidas para o efeito de pagamento de precatórios
a credores portadores de doenças graves.
Fonte:
*Kiyoshi HaradaJurista: Sócio fundador do escritório
Harada Advogados Associados. Professor. Especialista em Direito Financeiro e
Tributário pela USP.
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